O vazio e a busca por sentido

 

Roland Chemama, em seu livro A psicanálise como Ética, traz a baila o que considera uma novidade de nossos tempos. Uma nova modalidade de depressão. Algo que seria uma espécie de adendo à extensa lista freudiana em Mal Estar na Civilização. Diferentemente dos tempos de Freud, o sujeito contemporâneo, diante de um quadro geral de decadência das referências morais que orientam a cultura, precisa erigir para si mesmo suas referências metafísico-culturais. Como resultado, teríamos uma forma de depressão que não seria resultante de um conflito entre um supereu rigoroso e as pulsões, mas um sentimento de insuficiência do eu em relação ao ideal do eu.

Erigir para si mesmo suas próprias referências é uma tarefa heroica. Talvez comparável a de personagens trágicos tais como Antígona e o próprio Édipo. Personagens que, como destaca Lacan ao final do Seminário A Ética da Psicanálise, se defrontaram com o “puro desejo de morte” a ponto de proclamarem sentenças tais como: “já estou morta” – no caso de Antígona – ou “preferia não ser” – no caso de Édipo.

Parece que essa peculiaridade destacada por Chemama no sujeito contemporâneo, em alguma medida, está presente em todo neurótico na medida em que cada sujeito conserva em si uma dimensão alheia e anterior a todo interdito. Dimensão essa que fica nítida nos personagens trágicos. Ora, o fato é que por mais que interditos e referências culturais sejam recebidas, todo sujeito se confronta com a ausência de sentido.

Conferir sentido à vida – coisa que se confunde com a busca por felicidade – e barrar a destrutividade humana são tarefas essenciais da cultura e da civilização, segundo Freud. Ora, não seria aquela uma tarefa equiparável à do oleiro que acaba criando um vazio quando constrói um vaso? A destrutividade a ser barrada por um “ama ao próximo como a si mesmo” não seria também, além da que se dirige ao próximo, aquela dirigida a si? Frente a um vazio ainda sem contornos, essa destrutividade não assumiria a forma de uma depressão? A relação peculiar dos heróis trágicos com os interditos morais pode nos instruir para pensar o mal estar do sujeito contemporâneo?

 


Vaso de boca oval, proveniência: Gruta de Santiago do Escoural. Montemor-o-Novo, cronologia: Neolítico Médio, vaso em cerâmica com revestimento da pasta a almagre vermelho, dimensão: 8 por 12,5 cm, nº de inventário: 2004.135.1, disponível em: http://www.museuarqueologia.pt/?a=3&x=3&i=194